Eu sei (pelo menos um pouco) o que quero da vida

Pablo Andery
8 min readNov 9, 2020

Introdução: O fluxo

Eu tenho o péssimo hábito de seguir o fluxo. Acredito que isso tenha começado quando fui levado para a igreja (aos cinco anos), onde aprendi a absorver como regra o que é falado por outras pessoas. Desde então, minhas buscas se pautaram em encontrar caminhos, e não criá-los. Essa necessidade de acatar algo que já existe me assombra até hoje.

Há mais de 10 de anos, questionei minha religião e decidi criar um caminho diferente do que aquele que eu conhecia como “certo”. De lá para cá, ainda acatei muitas ideias alheias antes de formar as minhas opiniões. Já absorvi conceitos machistas, homofóbicos e até racistas. O hábito de seguir o fluxo fazia de mim uma pessoa pior.

Com o tempo entendi que, para formar a minha concepção, faz mais sentido olhar por diversos pontos de vista do que abraçar algum já existente. A atitude de criar um caminho próprio (a mesma que tive ao questionar a religião) começou a aparecer em outras áreas da minha vida. Passei a ouvir de tudo um pouco antes de construir qualquer coisa.

Agir desta forma tem sido libertador, afinal a ideia de seguir o fluxo já vinha me fazendo mal. De quebra, sinto que consigo construir opiniões socialmente conscientes e potencialmente transformadoras.

Acontece que, recentemente, percebi que eu vinha seguindo o fluxo para uma das coisas que mais valorizo: minha carreira. Aceitei meu primeiro emprego porque me disseram que as empresas do grupo 3G eram sensacionais. Mudei de empresa porque me disseram que eu precisava ter um propósito. E aceitei outra proposta de emprego porque me disseram que eu não encontraria oportunidade melhor no mercado.

Eu ainda não sabia, mas era hora de construir outro caminho.

Parte I: E aí, tudo bem?

— E aí, tudo bem?
— Tudo é muita coisa, né?

Ouvi isso de uma amiga há algum tempo. De fato, estar TUDO bem é uma raridade danada. Melhor aproveitar, porque é difícil que um período assim dure muito tempo. Desses em que estamos bem em nossa própria companhia, felizes com o lugar a que chegamos, em paz com a nossa espiritualidade (se é que há sentido nisso) e contentes com a carreira? Pff, nunca vi durar demais.

Não estou sendo pessimista, não é bem por aí. A verdade (ao menos a minha) é que não temos controle de tudo. E, se eu não tenho o controle, estar tudo bem não seria sorte demais? Penso que sim.

Não quero dizer que estar tudo bem seja impossível, mas você há de convir que é improvável. Sempre há algo que não está como eu gostaria, ou que poderia melhorar, ou que eu tenho ignorado para não ter que lidar. E não há nada de errado nisso, é normal que as coisas não estejam (todas) bem.

O “x da questão” é onde eu coloco minha energia. Para servir de exemplo, imagine um contexto em que a minha carreira não está como eu gostaria que estivesse. E, nessa situação, há uma premissa importante, que é a seguinte: estou focando minha energia no fato de que a minha carreira não está como eu gostaria que estivesse. A partir daqui, a tendência é que eu crie um ponto de vista em que meu mundo vai desmoronar caso eu não mude o rumo da minha carreira.

E adivinhe? Esse contexto foi verdadeiro. Algumas semanas atrás, minha noção de sucesso estava totalmente atrelada ao quanto eu estava contente com minha carreira. E essa ideia de que “tudo vai desmoronar se eu não mudar” não sairia da minha cabeça enquanto eu não gerasse essa mudança, ou enquanto não mudasse o foco da minha energia.

A reflexão que começou há alguns meses chegou em seu estopim. Eu precisava, de fato, fazer uma escolha.

Parte II: Aceitação da realidade

Contudo, aquela ideia de que eu precisava encontrar um trabalho que faz sentido para mim estava incompleta, porque, por mais que eu buscasse outras áreas e setores do mercado, não conseguia criar apego emocional a algo que não conheço. Por alguns dias, eu cogitei que, talvez, não pudesse encontrar o trabalho dos meus sonhos. Vou repetir porque é importante: eu cogitei que, talvez, não pudesse encontrar o trabalho dos meus sonhos. Ficou claro que eu considerei que isso fosse algo impossível? Pois bem. A verdade é que não é, mas precisei me aprofundar um pouco mais para ter alguma tranquilidade.

Eu entendi que estava em um processo de aceitação da realidade, mas ainda não tinha entendido essa realidade por completo. E cheguei mais perto disso quando concluí que a minha aceitação era de que essa mudança não aconteceria tão rápido. Eu ainda estava muito otimista quanto ao tempo que levaria para descobrir o caminho “certo”. Como eu disse em meu último texto sobre toda essa reflexão, “[…] O processo de decisão vai ser mais longo do que eu imaginei. Vou precisar testar muita coisa até lá […]”. Percebe como eu estive otimista demais o tempo todo? Eu cheguei à mesma conclusão de que “vai levar mais tempo do que eu esperava” (lê-se em tom de deboche) duas vezes! Eu tinha que tomar consciência do pedaço da realidade que ainda não tinha entendido.

Em uma das minhas sessões de terapia, falei sobre a tal necessidade de testar. Nesse momento, minha terapeuta me interrompeu e disse: “você fala muito essa palavra. Testar. O que você considera testar?” E foi aqui que eu entendi. Para mim, teste é vivência, só que eu entendo a vivência como uma experiência profunda, que passa por teoria, entendimento, absorção do aprendizado e, só depois disso tudo, chega-se à prática. Ou seja, não trato o teste como algo simples, trato como algo que demanda profundidade. E assim minha terapeuta trouxe um insight simples (e genial): “Mas então esse teste tem que vir de outra forma”. Pois é, tem mesmo.

Depois da sessão, quando pensei mais sobre o assunto, eu entendi a parte da realidade que ainda estava obscura. Certa vez, eu disse que não me considero uma pessoa curiosa — e eu realmente tinha isso como verdade. Mas, com toda essa reflexão recente, refutei essa “verdade”: não é que eu não sou curioso, é que eu não testo as coisas que acho interessantes por entender que há um caminho longo demais até o teste. E, como não tenho certeza de que quero aquilo (afinal de contas, eu ainda nem testei), não faço nada. Ou seja, a curiosidade sempre esteve em mim, mas eu só me envolvia se tivesse convicção de que queria fazer aquilo.

E foi assim que eu entendi totalmente a realidade que eu precisava aceitar: para testar muita coisa, eu preciso mudar minha concepção do que é testar.

Bom, já que o teste não precisa ser profundo, é razoável dizer que ele pode vir em paralelo com outras coisas e que não preciso colocar toda a minha energia nele. Ficou até um pouco mais fácil concretizar todos aqueles projetos que eu tinha em mente (escrita, roteiro, YouTube, comédia, por aí vai). Com essa mentalidade, tenho convicção de que essas coisas acontecerão com mais naturalidade, sem que eu me pressione demais. Talvez eu não encontre a minha profissão dos sonhos com tanta rapidez, mas estou bem mais confortável com isso; porque aceitei que posso testar diversas coisas sem tanta profundidade, com o intuito de conhecê-las de forma prática antes de decidir se quero ir além do teste. Inclusive, parece que isso faz mais sentido do que uma mudança brusca de carreira.

Parte III: A mudança

— Não é você, sou eu!

Foi uma das frases que disse ao meu chefe quando pedi demissão. A frase que eu sempre achei tosca demais por ser um clichê para términos de relacionamento. E eu juro que a utilizei de forma genuína. Realmente, não era a empresa, não eram as pessoas, não era meu chefe. Nada disso. Eu não estava bem, sentia que estava no lugar errado, ou ao menos que não era o momento para estar ali. E, embora eu tenha tentado, não consegui mudar o foco da minha energia. Eu precisava chutar o balde.

Nesse caso, foi um pedido de demissão. Mas poderia ser um término de relacionamento, uma visita a um familiar, uma mensagem para um amigo afastado, uma conversa desconfortável ou um “eu te amo” entalado na garganta. A verdade é que se não posso tirar minha energia de determinado incômodo, eu preciso fazer com que ele pare de incomodar. E, normalmente, isso pede mudança.

Sim, eu sei que acabei de concluir que posso tocar meus projetos em paralelo, sem fazer uma mudança brusca de carreira. Mas, independentemente dos meus projetos, é fato que eu não estava bem. E a causa principal era a falta de identificação com o meu trabalho. Foi necessário tomar uma decisão a respeito do que eu tinha em mãos naquele momento.

Parte IV: Entendendo o que eu quero

Ao tomar a decisão de me demitir, eu precisava entender qual seria o próximo passo de carreira. Era razoável que eu tentasse aproveitar a experiência que já tinha, mas escolhendo um novo desafio que tivesse um pouco do que quero para o futuro. Eu já sabia que quando não me identifico com a causa do que estou fazendo, minha energia acaba muito rápido. Não “comprar” a ideia do que eu faço me consome e minha motivação praticamente zera. E foi com base nisso que defini uma premissa importante: eu não precisava encontrar a causa da minha vida naquele momento, mas o que quer que eu escolhesse, tinha que ter uma causa pela qual eu trabalharia.

Além dessa premissa, eu entendi que uma das coisas que mais quero é contar histórias — e me orgulhar delas. Posso fazer isso escrevendo, contando piadas, ou indo ao bar com os amigos. Mas eu não quero apenas contar histórias, quero que sejam notadas por muita gente, porque assim posso levar para o mundo o que acontece aqui — na minha cachola. Quando faço isso, tenho acesso a novos pontos de vista, porque as pessoas também trazem suas percepções sobre a história que contei, o que acaba me tornando mais vivido. Por que digo isso? Porque, mesmo que eu não tenha tido a sua vivência, se você me conta como ela foi, posso aprender por escuta e observação. E é isso que eu quero fazer por você: compartilhar a minha vivência e torcer para que ela te ensine algo também. Compartilhar (além de inflar o meu ego) é um ato de co-construção.

Dito isso, qualquer que seja o meu próximo emprego, terá que ser (1) uma história que eu gostaria de contar e (2) uma causa pela qual eu trabalharia. Hoje — no momento em que escrevo este texto, eu ainda não sei que emprego vai ser. Mas, ao menos por ora, tenho esses dois pontos como premissa. Espero que não demore até eu trazer alguns parágrafos dessa história para cá.

Parte V: E agora, (José)?

— Mas e agora, está tudo bem?

Honestamente? Não sei. Continuo achando raro que esteja tudo bem. Ao menos agora tenho energia disponível para colocar em outras coisas. Ainda vou descobrir no que isso vai dar. Um passo de cada vez.

E aí, tudo bem com você?

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Pablo Andery

(Metido a) escritor. Ex-tímido. Engenheiro não praticante. Não gosta de alho (não, nem pão de alho).